Aliar boas ideias com perfil de empreendedor não tem sido uma tarefa fácil. Muitas pessoas ainda chegam ao mercado com carência de formação, o que resulta em menores chances de tornar as suas operações atrativas para os investidores.
Em que medida os novos empreendedores do Brasil estão preparados para criar empresas que realmente façam a diferença? Sim, porque não restam dúvidas de que os brasileiros são criativos e, cada vez mais, têm acesso a recursos tanto públicos quanto privados e a ferramentas capazes de transformar suas ideias em uma startup. Mas conseguir unir todas estas características e esse cenário propício com a capacidade de criar e gerenciar um negócio de sucesso, em um mercado cada vez mais competitivo, já é outra categoria.
Muitas vezes, com a falta de preparação, os aspirantes a empresários perdem a chance de criar negócios robustos. E isso impacta a própria economia do Brasil, que precisa que as suas startups se tornem empresas fortes, competitivas e representativas no mercado nacional e internacional.
Para o professor associado ao Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola Direito Rio, da Fundação Getulio Vargas (FGV), Silvio Meira, em tese, os novos empreendedores brasileiros estão preparados para criar empresas diferenciadas, assim como os da Argentina, Chile e Uruguai. "A diferença fundamental é que os jovens de países como Israel e cidades como São Francisco e Boston, nos EUA, têm toda uma rede de fomento e suporte ao empreendedorismo, em particular todos os degraus de uma ampla cadeia de valor de investimento de risco. Isso nós não temos no Brasil e levaremos muito tempo para ter", acredita.
Um estudo realizado pela Endeavor e pelo Sebrae revela que a vontade de ter o seu próprio negócio é grande, mas o sonho ainda é pequeno entre os universitários. Mais da metade afirmou que quer empreender, mas uma minoria sonha em inovar e ter muitos funcionários. "Grande parte dos jovens abre um negócio mais para sobreviver do que para ser grande", constata o gestor da Endeavor RS, Henrique Garrido. A 3ª edição da pesquisa Empreendedorismo nas Universidades Brasileiras ouviu mais de 5 mil alunos e 600 professores de todo o Brasil para revelar como o jovem universitário encara esse tema e de que forma as universidades brasileiras lidam com esta demanda. O reflexo disso é que menos de 1% das empresas brasileiras são consideradas de alto crescimento - que crescem 20% ao ano em receita ou número de funcionários.
O mais alarmante, comenta o gestor, é que menos de 1% gera 50% dos novos postos de trabalhos. Para Garrido, o Brasil precisa ajudar a criar empreendedores que almejem fazer coisas grandes, que gerem um crescimento capaz de mudar o País. Pelos dados atuais, 99% dos projetos que surgem destas startups não têm essa capacidade.
"O empreendedor tem que ser alguém que imagina uma sociedade melhor, que se vê com a missão de transformar as pessoas a sua volta, como a vida dos seus funcionários e das suas famílias", vislumbra o assessor estratégico do Tecnopuc/Raiar e professor da Faculdade de Informática da Pucrs, Leandro Bento Pompermaier. Ele, que costuma conversar com muitos jovens estudantes, comenta que muitos querem ter o seu próprio negócio mais por não concordarem com a estrutura hierárquica tradicional - ou seja, não querem ter chefes - e por acharem que, assim, terão uma vida mais tranquila. O que, claro, não corresponde à realidade. "Os empreendedores trabalham durante muitos anos passando por muita necessidade, justamente porque acreditam em um ideal. Quem já começa pensando em ficar pequeno vai ser consumido pelo mercado", diz.
Não é o caso da Fight Analytics, startup gaúcha. Fabio de Brito, Lucas Sanchez e Fernando Monteiro desenvolveram uma ferramenta que faz a análise estatística em tempo real no UFC, Mixed Martial Arts (MMA). A ideia é ajudar os fãs e jornalistas apresentando em tempo real as principais informações das lutas, como número de golpes contundentes, tentativas de queda e controle de ringue. A empresa está sendo acelerada pela Estarte.Me e já recebeu R$ 30 mil de investimento. "Queremos ser bilionários", comenta Brito, quando questionado sobre o quão ambicioso é esse projeto.
A Fight Analytics foi pensada para ser internacional. O Ultimate Fighting Championship (UFC) transmite as lutas para 176 países, e a meta é atingir todo este mercado. O produto que já está sendo comercializado é voltado para grupos de mídia, que podem usar os números e a narrativa das lutas para engajar o público apaixonado pelo esporte. Porém, a startup já está trabalhando em uma outra solução, voltada para casa de apostas e bookmakers. "Nossos planos são grandes. Tenho certeza que seremos o maior provedor de estatística destes esportes de luta do mundo", diz Brito.
Para o fundador da aceleradora de startups Estarte.Me, Maurício Centeno, o empreendedor precisa ser uma pessoa para a execução e totalmente comprometida com projeto. "Não vai dar certo se ele resolve criar uma empresa apenas para ter uma agenda flexível ou ser seu próprio chefe, até porque quem tem cliente e sócio tem chefe", relata.
Quase 60% dos universitários brasileiros desejam abrir um negócio, sendo que mais da metade tem planos pra tirar a ideia do papel em até três anos. Entretanto, apenas 11% do total de interessados espera ter mais de 25 funcionários após cinco anos de abertura, aponta a 3ª edição da pesquisa Empreendedorismo nas Universidades Brasileiras, realizada pela Endeavor e Sebrae.
Essa falta de ambição impacta diretamente o interesse dos investidores nesses novos projetos. O sócio-fundador da aceleradora Estarte.Me Mauricio Centeno conta uma história que ilustra bem essa realidade. "Tivemos uma situação em que uma multinacional teve interesse em investir em uma das nossas startups e os empreendedores impuseram tantas condições para isso acontecer que tivemos que desligá-los", comenta. Ele relembra que um dos sócios não queria deixar o emprego, e o outro, que morava no exterior, não tinha planos de voltar ao Brasil.
Por essas e outras que ele afirma que, para os investidores, é mais importante identificar o perfil empreendedor de uma equipe - e saber que, no primeiro obstáculo, eles serão capazes de passar por cima - do que ter um time que tem uma boa ideia nas mãos, mas que, na primeira dificuldade, titubeia. "Ter um perfil realmente empreendedor é mais relevante do que ter uma ideia excelente", arremata.
A Estarte.Me já acelerou 10 projetos. Atualmente, está investindo em quatro, sendo dois de Porto Alegre, um de João Pessoa e outro da Colômbia. "Trabalhamos com startups digitais, que tenham na essência do seu negócio a possibilidade de crescer muito rápido em termos de faturamento", explica. Ele comenta, porém, que muitas vezes é preciso fazer um esforço enorme para mostrar para os empreendedores que, por maior que seja o mercado brasileiro, é fundamental pensar em levar a solução que estão desenvolvendo para fora do País. "Chegamos a receber projetos só focados em Porto alegre. Dependendo das aspirações do jovem, até pode fazer sentido. Mas para a gente, como aceleradora, não vinga. Os projetos precisam ter escala e ser capazes de conquistar grandes mercados", relata.
O coordenador do comitê de EdTech da ABStartups. Newton Campos, concorda que é necessário pensar grande. Ele conta que um investidor brasileiro, que trabalhou durante anos nos Estados Unidos, lhe comentou recentemente que investir em startups brasileiras, via de regra, exige muito tempo e dinheiro, justamente porque eles precisam ajudar a formar estes empreendedores. "Lá, ele recebia projetos e equipes extraordinárias tecnicamente, enquanto que, no Brasil, a grande maioria não possui nem mesmo conhecimentos mais básicos sobre gestão de negócios", comenta. Se no mercado americano ele precisava se reunir com poucas empresas para selecionar aquelas na qual pretendia apostar, por aqui esse processo é muito mais longo. "Eles precisam conhecer diversas operações até achar que alguma tem chance de dar certo. Isso dificulta a ação de quem quiser investir em inovação", comenta Campos.
O professor associado ao Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Direito Rio Silvio Meira diz que a mudança de cenário, para aumentar as ambições dos jovens, envolve pensar um Brasil que tem tamanho de mundo, que resolve problemas globais. E isso não acontece hoje, com raras e notórias exceções, como é o caso da Embraer. "As cidades com uma visão mais evoluída sobre esse tema possuem uma rede de investidores que não só habilita um pensamento global - resolver grandes problemas, do ponto de vista de complexidade e de escala -, mas necessita de um pensamento global para ter retornos que compensem os riscos de investimento", analisa.
O tema do empreendedorismo não pode ficar restrito a cursos voltado a negócios, como o de Administração de Empresas. Cada vez mais, alunos de Psicologia, Direito e Medicina, apenas para citar alguns exemplos, desejam montar seus escritórios e consultórios. "São pessoas que precisam aprender a administrar o seu negócio", relata Mauricio Centeno, sócio-fundador da Estarte.Me.
O assessor estratégico do Tecnopuc/Raiar e professor da Faculdade de Informática da Pucrs Leandro Bento Pompermaier acredita que é necessário preparar os estudantes de qualquer área que desejem empreender. "Temos que prepará-los para batalhar por uma posição de mercado ou para ter o seu próprio negócio", defende. Por isso, além de oferecer disciplinas de empreendedorismo em algumas de suas faculdades, a Pucrs dispõe de matérias adicionais, que podem ser cursadas por todos os alunos interessados em adquirir esse conhecimento e obter uma certificação adicional. Ele destaca que tem crescido o interesse de acadêmicos de Engenharia, Nutrição, Comunicação, Direito e Informática.
Os pesquisadores na Medicina, por exemplo, ao criarem algo, precisam patentear ou fazer algum tipo de registro da inovação. "Essa experiência, muitas vezes, desperta o interesse de usar esse conhecimento associado a uma pesquisa gerada na universidade, usando os nossos canais para verificar a viabilidade disso como negócio", diz Pompermaier, ao defender que o conhecimento fomentado na universidade gere valor para a sociedade em forma de negócios.
Para estimular essa cultura nos alunos, a Pucrs atua em diversas frentes. Começa pelo Núcleo Empreendedor, que busca despertar o interesse do empreendedorismo dentro das unidades acadêmicas. A etapa seguinte é o Startup Garagem, cuja ideia é saber se a ideia tem sustentação no mercado e trabalhar modelo de negócios. Em seguida, vem a Incubadora Raiar e, depois, o Tecnopuc. "A meta é conseguir ter o ciclo completo até que a empresa tenha corpo suficiente para se instalar dentro do parque", diz. Entre os players que percorreram estas etapas e estão bem-posicionados no mercado estão a Pandorga e a Radiopharmacos, por exemplo.
Especialistas em empreendedorismo são unânimes: é preciso investir urgentemente em formação, até mesmo para que o Brasil possa vislumbrar o surgimento de empresas robustas e em condições de fincar a bandeira nacional em outros mercados, contribuindo para o fortalecimento da economia. A pesquisa realizada pela Endeavor e Sebrae mostra que o interesse em disciplinas de empreendedorismo é quase unânime: apenas 10% dos universitários não priorizam ou não se interessam em cursá-las.
No entanto, um em cada quatro entrevistados gostaria de fazer a disciplina, mas seus cursos não oferecem a possibilidade. Fabio de Brito, um dos fundadores da startup gaúcha Fight Analytics, comenta que, durante a faculdade de Jornalismo, praticamente não teve contato com o tema. "No último semestre, cursei uma disciplina de novas oportunidades no Jornalismo, mas que nada contribuiu para a minha formação na área. Fui aprender sobre negócios na própria aceleradora", admite.
É um grande gargalo a ser resolvido, até porque, segundo os alunos, ter contato com o assunto durante a formação os torna mais confiantes: universitários que já tiveram essa oportunidade afirmam que a confiança para empreender passou de 33% para 69,2%, na média. "Isso dá mais segurança para apostar em um negócio próprio", analisa o gestor da Endeavor RS, Henrique Garrido.
O professor associado ao Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getulio Vargas (FGV) Direito Rio, Silvio Meira, afirma que há despreparo por parte das universidades brasileiras para formar empreendedores, e destaca que o cenário não mudará enquanto as principais, do ponto de vista de competência científica, forem escolas públicas sem qualquer capacidade empreendedora como instituições. "Como se não bastasse, estas mesmas escolas não formam lideranças, e seus pesquisadores, como indivíduos, empreendem apenas em suas carreiras científicas, salvo raríssimas e honrosas exceções."
O coordenador do comitê de EdTech da ABStartups, Newton Campos, diz que mudanças estão acontecendo, apesar de muito lentamente em alguns casos. Ele observa que, mesmo entre as escolas-referência do mundo, até o final dos anos 1990, poucas tinham cursos obrigatórios de empreendedorismo. Hoje, há um bom número de faculdades em que a matéria é obrigatória. "Os alunos têm cada vez mais interesse em empreender, e a abordagem do tema nas instituições de ensino tem crescido. Mas é preciso capacitar os professores e prepará-los para atender a essa necessidade", alerta.
Mauricio Centeno, sócio-fundador da Estarte.Me, percebe na prática essa mudança. Durante a sua formação em Administração com ênfase em Marketing, nos anos 2000, ele não teve disciplinas ligadas ao empreendedorismo, mas cita o exemplo de uma aluna sua, estudante de Publicidade. A estudante teve contato com uma ferramenta de business model canvas, que faz uma fotografia do negócio que o futuro empreendedor quer desenvolver. "Publicidade é um curso sempre mais voltado para a criatividade e, a partir do momento que vemos que nesse ambiente já se começa a discutir modelo de negócios, é porque tem uma evolução acontecendo", observa.
A pesquisa da Endeavor e Sebrae mostra que falta apoio para o aluno aprender sobre empreendedorismo, especialmente nas universidades públicas. Apenas quatro em cada 10 instituições públicas pesquisadas oferecem mentorias, redes de contato e plantões de dúvidas sobre os negócios dos universitários, contra seis em cada 10 instituições privadas.
Para o diretor do Instituto de Informática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Luis Lamb, porém, algumas destas instituições são referência no Brasil pela capacidade de gerar inovações, como a Unicamp, a USP e a própria Ufrgs. "A inovação que sai destas universidades acima é disruptiva. São novas empresas criando tecnologia nacional própria, com qualidade internacional. Estas instituições são capazes de criar projetos que geram competitividade", avalia.
Aliás, ele relembra que, há 25 anos, a universidade criou uma disciplina de empreendedorismo, para o curso de Ciência da Computação. "Talvez, tenha sido a primeira no Brasil nessa área", acredita. A instituição de ensino possui mais de 100 companhias de ex-alunos formadas, sendo algumas cases muito bem-sucedidos, como Altus e Digitel.
Mas o fato de ser uma instituição pública oferece alguns desafios maiores. "Tudo que requer muitos pareceres, trâmites e autorizações vai na contramão da inovação, que requer agilidade. As amarras legais contradizem os princípios básicos da inovação, e isso é característica do Brasil em várias áreas. Apesar disso, incentivar a inovação sempre foi uma proposta nossa, nossa vontade e nosso desejo", diz.